28 de abril de 2014

O comedor compulsivo e a obesidade

POR JORNALISMO PORTAL EF

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Fome exagerada e perda do controle levam o indivíduo a comer de forma abusada.

Tem dias em que a gente acaba escapando da dieta e exagera um pouquinho num prato gostoso. A gula virou até um verbo divertido nas redes sociais de quem vive em dieta: “jacar”, ou seja, “enfiar o pé na jaca”. Só que, para algumas pessoas, comer mais do que deveria não é algo esporádico. São os comedores compulsivos, pessoas que sofrem de um distúrbio alimentar que provoca a perda do controle diante de um prato de comida, comprometendo a silhueta e a saúde.

A nutricionista Nathalia Sales, da Fit Park Academia, de Brasília (DF), conta que o consumocompulsivo de alimentos já é reconhecido como uma síndrome compulsiva, muitas vezes derivada de transtornos psicológicos, e que requer orientação médica e nutricional. “A síndrome é mais comum em mulheres entre os 20 e 30 anos e, geralmente, as pessoas que padecem deste problema são obesas”, diagnostica.

Lia Ades Gabbay, psicóloga clínica especialista em Psicologia do comportamento alimentar e obesidade, explica que o fato de uma pessoa ter tido um episódio de compulsão alimentar não significa que ela tenha um transtorno alimentar.

"Geralmente, trata-se de um comer rápido, com urgência, escondido, e que traz um sentimento de culpa, vergonha, arrependimento, raiva de si mesma. É chamado também de episódio bulímico, e pode estar presente como sintoma em uma variedade de situações clínicas: bulimia nervosa, anorexia nervosa, depressões atípicas, transtorno da compulsão alimentar periódica, entre outras."

A psicóloga conta ainda que existe uma diferença entre comer compulsivamente e deter o transtorno do comer compulsivo ou transtorno dacompulsão alimentar periódica (TCAP): "a compulsão alimentar pode ser um comportamento eventual ou um quadro parcial, que não preenche todos os critérios para o transtorno. Já o TCAP foi reconhecido este ano como categoria diagnóstica distinta dentro dos Transtornos Alimentares. A pessoa, além de preencher todos os critérios diagnósticos (episódios de compulsão alimentar com determinada frequência e gravidade) apresenta sofrimento importante e impedimentos na vida decorrentes desta patologia".

Sentimentos à mesa

Muita gente, ao exagerar na refeição, tende a fazê-lo com pratos dos quais gosta muito ou que estava com vontade. Essa é uma das principais diferenças entre um acesso de gulodice e o comer compulsivo. “O comedor compulsivo tem como ‘sintoma’ a vontade de comer, independente do alimento e mesmo sem ter fome”, explica Nathalia, “são pessoas que têm episódios de dietas frequentes e sem resultado ou orientação profissional, que comem em segredo pelo sentimento de culpa e vergonha e que apresentam variações de humor”, completa.

Mais do que um problema comportamental, o TCAP é uma disfunção fisiológica, pois as pessoas que sofrem desse problema apresentam um distúrbio químico nos mecanismos da fome e da saciedade, "o que não quer dizer que elementos em sua história de vida não tenham influenciado para o desenvolvimento do quadro", frisa Lia. O repertório de vida, o que foi aprendido ao longo dos anos, a relação com o corpo e a comida e o estado emocional estão relacionados à compulsão de comer.

A psicóloga ensina que outro sistema cerebral envolvido na compulsão alimentar é o ligado ao prazer, relacionado à recompensa e ao apetite: "ambos os sistemas (o de fome e saciedade, e o hedônico) agem conjuntamente e têm relação com a compulsão alimentar".

Os doces costumam ser os alimentos mais procurados por quem come compulsivamente, mas não estão isolados, já que outros alimentos também podem fazer com que a pessoa perca o controle, chegando a casos em que o indivíduo passa mal pelo fato de comer sem estar fisicamente comfome. O horário das refeições também não é um parâmetro a ser seguido, uma vez que com frequência o exagero alimentar acontece em horários alternativos aos das principais refeições. Além disso, a perda de controle faz com que a quantidade de calorias ingerida seja imensa, às vezes ultrapassando as 5 mil kcal, trazendo culpa e frustração após o episódio.

"Durante um episódio de comer compulsivo, a pessoa pode pegar o que estiver pela frente: abre a geladeira e vai comendo. Chega a comer comida congelada, arroz cru. Tinha uma paciente que comia salgados até se sentir cheia, aí passava para os doces, depois para os salgados de novo... e enquanto preparava alguma coisa, já ia comendo outra, porque dizia que 'não dava para esperar'", relata Lia.

Perfil de risco


Segundo a psicóloga, o TCAP está presente em 4 a 6% das pessoas obesas, e é acometido por 30% das pessoas obesas que buscam tratamento para emagrecer e por volta de 45% dos obesos candidatos à cirurgia bariátrica. "Nem todo obeso tem TCAP, mas 2/3 das pessoas com TCAP são obesas."

Alguns fatores podem servir de alerta para identificar indivíduos predispostos aos episódios de comer compulsivo. São fatores que aumentam muito a probabilidade de ocorrer uma compulsão alimentar, com destaque para: distorções da imagem corporal vinculadas ao ideal de magreza; pensamentos e sentimentos de privação e de não merecimento; insatisfação com o corpo e peso, o que leva as pessoas a realizarem várias dietas muito rígidas uma após a outra e/ou a fazerem exercícios exagerados e em excesso; entre outros.

O estresse crônico também faz com que a comida se torne uma válvula de escape para os problemas cotidianos, com frequência levando a pessoa a perder o controle sobre o que ingere. "Pesquisas científicas demonstram que o estresse aumenta a quantidade de glicorticóide, provocando fome e estimulando a produção de insulina, que induz a mais apetite. Parece também que a grelina, conhecida como o 'hormônio da fome', não é secretada apenas quando os estoques de energia do corpo estão baixos. Sua liberação também ocorre em resposta a estímulos estressores", explica Lia.

A raiz do problema

Para descobrir se o paciente é um comedor compulsivo ou apenas alguém que gosta muito de comer e exagera nas porções, é preciso seguir as diretrizes propostas pelo DSM-V (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - V), que indica peculiaridades do comportamento docomedor compulsivo para um diagnóstico preciso.

Episódios de descontrole diante da comida ocorrendo semanalmente durante três meses encontram-se entre os sinais de alerta de que algo não vai bem, assim como a culpa, a pressa em se alimentar etc.

A orientação nutricional é o primeiro passo para tratar a síndrome do comer compulsivo, com o objetivo de reduzir a ingestão de calorias, reeducar a alimentação do paciente e controlar as complicações oriundas da compulsão. “O ideal é sempre procurar ajuda profissional, com auxílio de uma equipe multidisciplinar composta por endocrinologista, nutricionista, psiquiatra e psicólogo”, indica Nathalia. A atuação desses profissionais deverá focar no tratamento da depressão e outros distúrbios emocionais que podem estar embutidos na doença, com ou sem a ingestão de medicamentos, terapia cognitivo-comportamental e aconselhamento individual e familiar.

Ao perder o controle diante do alimento e comer compulsivamente, a pessoa coloca em risco a sua saúde, podendo apresentar complicações relacionadas à alta ingestão calórica, como obesidade, diabetes, problemas cardíacos, hipertensão e muitos outros.

Para o profissional de educação física, é importante conhecer esta síndrome para poder não apenas orientar os alunos que sofrem do problema a procurar ajuda médica e nutricional, como para compreender como estimular esse aluno a seguir o tratamento e se exercitar adequadamente para manter a saúde e reduzir as complicações do comer compulsivo.

À procura de ajuda

A obesidade já é considerada um problema de saúde pública, mas o comer compulsivamente ainda não. Todavia, é possível buscar orientação e ajuda em centros especializados em transtornos alimentares ou com profissionais especializados.

Na capital paulista, Lia indica dois centros de referência: o Ambulim, do Hospital das Clínicas da USP, e o PROATA, da Unifesp. Há também o Grupo Especializado em Nutrição e Transtornos Alimentares (GENTA), formado por nutricionistas especializadas.

"É fundamental pensar em prevenção, trabalhar com pais e educadores para desmistificar o tema e orientar. Passar para a criança uma atitude positiva e de aceitação do próprio corpo e da própria fome é muito necessário", conclui Lia.

Consultoria Técnica: Márcio Santos

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