Há mais de 20 anos, todos os dias, várias vezes ao dia, encaro uma nova realidade, mais uma história se revela, e digo: "Bom dia, eu sou Oficial de Justiça".
Não importa o tom de voz que carrego de mel, pouco vale o sorriso e as roupas despretensiosas, coloridas, quase infantis. Deparo-me com um arregalar de olhos, um engolir em seco, uma ansiedade estampada, um susto ante o indesejado.
Venho carregar com o peso da realidade os duros problemas, as tristezas, a esperança castigada pela crueza da vida dos que vivem nas periferias, ao lado, afastados, bem longe dos olhos daqueles que sabem de tudo.
Conheço um mundo que a mídia, os livros e os filmes não conseguem retratar.
Tenho aí a opção do "profissionalismo", de ler e dar as costas, mas opto por acolher e oferecer os ouvidos, de esclarecer e orientar, de levar um pouco de carinho e cuidado àqueles que passam por toda uma vida de abandonos e friezas, de profissionalismos endurecidos.
Luto por ver transformar-se a frustração em força para uma nova luta, o medo em confiança, depressão em garra de seguir em frente. E ouço, e muito bem, as palavras que dedico a essas pessoas, e as uso como unguento para minhas próprias feridas.
Recebo, todos os dias, gotas do melhor e do pior do ser humano. E passo a fazer parte dessas histórias, ainda que apenas uma "ponta". E levo comigo histórias que jamais imaginei, lágrimas que me comoveram e sorrisos que me encorajaram. Trago comigo um pedaço de cada "ser humano" que para mim se revelou. Cada um desses pedaços, um retalho, que construiu, e continua construindo, uma filosofia que é só minha, que me ensinou muito sobre a vida e sobre o real significado das palavras "garra" e "esperança".
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